Síndico de prédio residencial pode proibir que crianças e adolescentes brinquem e permaneçam após as 22:00h na área comum do edifício, sem a presença de seus pais? Essa conduta é legal?
Se fôssemos dar uma resposta sucinta ao questionamento, diríamos que, à primeira vista, a atitude parece não estar de acordo com a legalidade.
É que, sob a égide da Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente - pode ser considerada restrição ilegal ao direito da criança de brincar e divertir-se (art. 16, inc. IV), que confere ao Conselho Tutelar e ao Juiz da infância e da juventude, respectivamente, atribuições e competências específicas (arts. 136 e 148-149).
Mas a conduta, em princípio não impõe a atuação do Ministério Público para a adoção de medidas judiciais ou extrajudiciais para garantia de direitos de crianças e adolescentes. Com efeito, a modificação da decisão da síndica deve se dar no âmbito da assembléia-geral do condomínio e não no âmbito judicial. Ainda que venha a ser necessária a tutela jurisdicional para a cessação do ato ilícito e indenização pelos danos sofridos, estas poderão ser pleiteadas no juízo cível competente pelos condôminos interessados.
A propósito, é importante salientar que os direitos de crianças e adolescentes devem ser assegurados com a participação da população, nos termos preconizados pela Constituição federal (art. 227, § 7º e 204, inc. II) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (arts. 86 e 88, ic. II e IV).
Também na Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 ratificada pelo Brasil e publicada com o Decreto 99.710, de 21 de novembro de 1990, do Presidente da República, dispõe-se que «todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições de bem estar social públicas ou privadas, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse superior da criança» (art. 3º). A esse respeito, importante lembrar que na Constituição da República, pelo constituinte originário, adotaram-se os princípios da proteção integral e da prioridade absoluta da criança, sendo certo que, também se previa originalmente que «os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte» (art. 5º, § 2º). Até mesmo para os que não concordavam com esse entendimento de que direitos humanos possuem status constitucional, ele é válido porque a Emenda Constitucional 45, de 8 de dezembro de 2004 teria recepcionado a Convenção sobre os Direitos da Criança como Emenda Constitucional. Não há dúvidas, pois, acerca do status constitucional da Convenção sobre os Direitos da Criança. Tais princípios (proteção integral, prioridade absoluta, interesse superior) explicitados no Estatuto da Criança e do Adolescente e em outras leis também impõem que, mesmo em caso de dúvida, deve-se decidir a favor da prioridade absoluta, da proteção integral e do interesse superior da criança e do adolescente.
A mencionada Convenção inaugura uma nova forma de pensar a criança e o adolescente, dando-lhes um tratamento diferenciado e prioritário por serem seres humanos em desenvolvimento. Surge assim a teoria da proteção integral. Crianças e adolescentes deixam de ser objetos de direitos e transformam-se em pessoas titulares de direitos, tendo acesso irrestrito e privilegiado à Justiça. A proteção deixa de ser obrigação exclusiva da família: o Estado e a sociedade passam a ser igualmente responsáveis pela tutela dos direitos da criança e do adolescente.
O direito à participação infantil está explicitamente expresso nos artigos 12, 13, 14, 15 e 17 da Convenção, que tratam do direito da criança a exprimir livremente suas opiniões sobre todos os assuntos relacionados com a criança, levando-se devidamente em consideração essas opiniões, em função da idade e maturidade da criança (art. 12); liberdade de expressão (art. 13); à liberdade de pensamento, de consciência e de crença (art. 14); à liberdade de associação e de reunião pacíficas (art. 15); e de ter acesso a informações e dados de diversas fontes nacionais e internacionais, especialmente os voltados para a promoção do seu bem estar social, espiritual e moral e saúde física e mental (art. 17).
Saliente-se, ainda, que o conceito internacional de criança é o de toda pessoa que não possua 18 anos de idade completos, por isso que a integralidade da Convenção é aplicável a todas as pessoas que no Brasil são chamadas de crianças e adolescentes.
Percebo que quem conhece Direito da Criança e do Adolescente evita o vocábulo «menor», ao passo que nas varas de família e criminais juízes, promotores de justiça e advogados não ligam pra isso. Não é preciosismo de vocês?
Não. É uma questão de emancipação. Nos termos do «glossário» da Agência de Notícias do Direito da Infância - ANDI - Menor: termo de sentido vago, utilizado para definir a pessoa menor de idade. Historicamente revestiu-se de um sentido pejorativo para designar crianças e adolescentes a partir de suas necessidades ou comportamento (menor infrator, menor carente, menor abandonado). O conceito atualmente é inapropriado e foi superado pela atual legislação nacional e internacional em relação aos direitos da criança e do adolescente. Por isso, foi banido do vocabulário de quem defende os direitos da infância e adolescência, por ser discriminatório, pejorativo e dirigido apenas a crianças e adolescentes pobres, negros, em situação de rua, que cometem atos infracionais. Remete à antiga doutrina da situação irregular que inspirou o Código de Menores (lei 6.697/67), revogado em 1990. Os termos adequados são criança, adolescente, menino, menina, jovem. Vários veículos de comunicação ainda insistem em utilizar o termo "menor" em textos e títulos, contribuindo para a perpetuação de um conceito preconceituoso e conservador. Muitas vezes o termo vem ainda acrescido de outros igualmente ofensivos à criança e ao adolescente, como carente, abandonado, delinqüente, pivete (https://www.andi.org.br/, entrada , no rodapé da página, Acesso: 30 set. 2008).
A propósito, em 15 de julho de 2008, em um debate promovido pelo jornal Correio Braziliense, uma adolescente do MNMMR perguntou, mais ou menos assim: «- vocês, autoridades, falam tanto em adolescente em conflito com a lei pra cá, adolescente em conflito com a lei pra lá... A Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente não são cumpridos há muito tempo. A senhora não acha que as autoridades que deveriam cumprir a lei e não cumprem também não estão em conflito com a lei?»
A partir disso, é de ser lembrado ensinamento de Wandelino Nogueira, que diz que a categoria de adolescente infrator também não existe.
Existe, isto sim, o adolescente, pessoa em desenvolvimento, possuidor de direitos que, eventualmente, comete um ato infracional. Esse adolescente não é menor, não é adolescente infrator, não é adolescente em conflito com a lei. É adolescente a quem é atribuída a autoria de um ato infracional e que, nessa condição, possui direito ao devido processo legal.
Por isso, se referir à criança como «criança» e ao adolescente como «adolescente» não é preciosismo. É comprometimento. É garantia de direitos.