REsp 852935 / RS ; RECURSO ESPECIAL: 2006/0137845-8
Relator(a): Ministro CASTRO MEIRA (1125)
Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA
Data do Julgamento: 26/09/2006
Data da Publicação/Fonte: DJ 04.10.2006 p. 210
Ementa: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. TRATAMENTO MÉDICO MENOR CARENTE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE.
1. Prevaleceu na jurisprudência deste Tribunal o entendimento de que o Ministério Público tem legitimidade ativa ad causam para propor ação civil pública com o objetivo de proteger interesse individual de menor carente, ante o disposto nos artigos 11, 201, V, e 208, VI e VII, da Lei 8.069, de 13.07.90 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Mudança de entendimento da Turma acerca da matéria (REsp 688.052/RS, Rel. Min. Humberto Martins, DJU de 17.08.06).
2. Precedente da Primeira Seção: EREsp 485.969/SP, Rel. Min. José Delgado, acórdão pendente de publicação.
3. Recurso especial improvido.
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REsp 700853 / RS ; RECURSO ESPECIAL: 2004/0144869-4
Relator(a): Ministro FRANCISCO FALCÃO (1116)
Relator(a) p/ Acórdão: Ministro LUIZ FUX (1122)
Órgão Julgador: T1 - PRIMEIRA TURMA
Data do Julgamento: 06/12/2005
Data da Publicação/Fonte: DJ 21.09.2006 p. 219
Ementa: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORNECIMENTO DE PRÓTESE AUDITIVA, EXAMES E TRATAMENTO FONOAUDIOLÓGICO A MENOR PORTADOR DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA. SAÚDE. DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL. ART. 227 DA CF/88. LEGITIMATIO AD CAUSAM DO PARQUET. ART. 127 DA CF/88. ARTS. 7.º, 200, e 201 DO DA LEI N.º 8.069/90.
1. O Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos.
2. Recurso especial interposto contra acórdão que decidiu pela ilegitimidade ativa do Ministério Público para pleitear, via ação civil pública, em favor de menor, o fornecimento de prótese auditiva, exames e atendimento fonaudiológico, três vezes por semana, para criança portadora de deficiência auditiva grave.
3. É que a Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37, da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microsistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas.
4. Deveras, é mister conferir que a nova ordem constitucional erigiu um autêntico 'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos.
5. Legitimatio ad causam do Ministério Público, à luz da dicção final do disposto no art. 127 da CF, que o habilita a demandar em prol de interesses indisponíveis.
6. Sob esse enfoque, assento o meu posicionamento na confinação ideológica e analógica com o que se concluiu no RE n.º 248.889/SP para externar que a Constituição Federal dispõe no art. 227 que: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão." Conseqüentemente a Carta Federal outorgou ao Ministério Público a incumbência de promover a defesa dos interesses individuais indisponíveis, podendo, para tanto, exercer outras atribuições previstas em lei, desde que compatível com sua finalidade institucional (CF, arts. 127 e 129).
7. O direito à saúde, insculpido na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, é direito indisponível, em função do bem comum, maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria.
8. Outrossim, a Lei n.º 8.069/90 no art. 7.º, 200 e 201, consubstanciam a autorização legal a que se refere o art. 6.º do CPC, configurando a legalidade da legitimação extraordinária cognominada por Chiovenda como "substituição processual".
9. Sobre a legitimidade do Ministério Público para de tutela dos interesses transindividuais, sobreleva notar, a novel jurisprudência desta Corte: RESP 688052/RS, Relator Ministro Humberto Martins, DJ 17.08.2006; RESP 822712/RS, Relator Ministro Teori Zavascki, DJ 17.04.2006 e RESP 819010/SP, Relator Ministro José Delgado, DJ 02.05.2006.
10. Recurso especial provido para reconhecer a legitimidade do Ministério Público Estadual.
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EREsp 485969 / SP ; EMBARGOS DE DIVERGENCIA NO RECURSO ESPECIAL: 2005/0152163-1
Relator(a): Ministro JOSÉ DELGADO (1105)
Órgão Julgador: S1 - PRIMEIRA SEÇÃO
Data do Julgamento: 23/08/2006
Data da Publicação/Fonte: DJ 11.09.2006 p. 220
Ementa: PROCESSUAL CIVIL, ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITO CONSTITUCIONAL À CRECHE, AOS MENORES DE ZERO A SEIS ANOS. OBRIGAÇÃO DE FAZER. EXIGIBILIDADE EM JUÍZO. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO COLENDO STF.
1. O acórdão embargado reconheceu, ex officio, a ilegitimidade do Ministério Público para, via ação civil pública, defender interesse individual de menor, visto que, na referida ação, atua o Parquet como substituto processual da sociedade e, como tal, pode defender o interesse de todas as crianças do Município para terem assistência educacional, configurando a ilegitimidade quando a escolha se dá na proteção de um único menor.
2. "Sendo a educação um direito fundamental assegurado em várias normas constitucionais e ordinárias, a sua não-observância pela administração pública enseja sua proteção pelo Poder Judiciário" (AgReg no RE nº 463210/SP, 2ª Turma, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ de 03/02/2006).
3. "A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das 'crianças de zero a seis anos de idade' (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à 'reserva do possível'. Doutrina." (AgReg no RE nº 410715/SP, 2ª Turma, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 03/02/2006)
4. Legitimidade ativa do Ministério Público reconhecida.
5. Precedentes desta Corte Superior e do colendo STF.
6. Embargos de divergência conhecidos e providos.
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REsp 741369 / RS ; RECURSO ESPECIAL: 2005/0058232-3
Relator(a): Ministro HUMBERTO MARTINS (1130)
Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA
Data do Julgamento: 22/08/2006
Data da Publicação/Fonte: DJ 01.09.2006 p. 246
Ementa: PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PAGAMENTO DOS CUSTOS DE CIRURGIA - CRIANÇA PORTADORA DE HIPOSPÁDIA - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL - LEGITIMAÇÃO EXTRAORDINÁRIA DO PARQUET - ARTIGO 127 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL/88 - PRECEDENTES DAS TURMAS DA PRIMEIRA SEÇÃO.
1. O tema objeto do presente recurso já foi enfrentado pelas Turmas da Primeira Seção deste Tribunal e o entendimento esposado é de que o Ministério Público tem legitimidade para defesa dos direitos individuais indisponíveis, mesmo quando a ação vise à tutela de pessoa individualmente considerada (artigo 127, da Constituição Federal/88).
2. O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, consubstanciado na Lei n. 8.069/90, em seu artigo 201, inciso V, configura a legalidade da legitimação extraordinária do Ministério Público para proposição de ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência.
3. Nessa esteira de entendimento, na hipótese dos autos, em que a ação visa a garantir o pagamento de necessária cirurgia de Hipospádia, há de ser reconhecida a legitimação do Ministério Público, a fim de garantir a tutela dos direitos individuais indisponíveis à saúde e à vida. Recurso especial provido, para reconhecer a legitimidade do Ministério Público, determinando-se que a ação prossiga para, após: instrução regular, ser o mérito julgado.
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REsp 790920 / RS ; RECURSO ESPECIAL: 2005/0176384-3
Relator(a): Ministro CASTRO MEIRA (1125)
Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA
Data do Julgamento: 15/08/2006
Data da Publicação/Fonte: DJ 04.09.2006 p. 252
Ementa: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MENOR CARENTE. APARELHO AUDITIVO. FORNECIMENTO.
1. Prevaleceu na jurisprudência deste Tribunal o entendimento de que o Ministério Público tem legitimidade ativa ad causam para propor ação civil pública com o objetivo de proteger interesse individual de menor carente, ante o disposto no art. 11, 201, V e 208, VI e VII, da Lei nº Lei nº 8.069, de 13.07.90 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Precedentes:REsp 688.052/RS, Rel. Min. Humberto Martins, DJ de 17.08.06 e REsp 577.836/SC, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 28.02.05.
2. Recurso especial provido.
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AgRg na MC 11402 / MT ; AGRAVO REGIMENTAL NA MEDIDA CAUTELAR: 2006/0072991-7
Relator(a): Ministro FRANCISCO FALCÃO (1116)
Órgão Julgador: T1 - PRIMEIRA TURMA
Data do Julgamento: 06/06/2006
Data da Publicação/Fonte: DJ 26.06.2006 p. 118
Ementa: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PUBLICA. TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA PARA IMPEDIR A TRANSMISSÃO SIMULTÂNEA DE PROGRAMA TELEVISIVO SEM AJUSTE DE GRADE EM FACE DA DIFERENÇA DE FUSO HORÁRIO. MEDIDA CAUTELAR. LIMINAR DEFERIDA. AGRAVO REGIMENTAL.
I - A tutela antecipada foi deferida sob o entendimento de que "não é razoável que em razão da diferença de fuso-horário própria do Brasil continental que as crianças e adolescentes do Mato Grosso sejam expostos a tais programas, e não tenham a mesma proteção que a lei lhes garante naqueles estados com horário adiantado, portanto mostra-se induvidosa a plausibilidade do direito cuja tutela é buscada na presente ação".
II - Para a concessão do pedido liminar entelado faz-se impositivo verificar a verossimilhança da alegação. É dizer se o juízo emitido aceita como verdadeira a afirmação do fato jurígeno na conformação apresentada pelo autor. Aqui, em primeira análise, se distancia da percepção revelada no acórdão recorrido, bem como na decisão de tutela antecipada, para entender que inexiste a verossimilhança alegada o que resulta na violação ao artigo 273 do Código de Ritos.
III - A retransmissão da programação de forma simultânea, sem a diferenciação de horários em razão do fuso do Estado, que faz a transmissão ir ao ar uma ou duas horas mais cedo, dependendo do horário de verão, à toda evidência, é manifestação constitucionalmente protegida, seja pelo disposto no artigo 220 da Constituição Federal, onde se alude à vedação de qualquer restrição acerca da manifestação do pensamento, seja em face do artigo 5º, incisos II, IV e IX, da Lex Mater.
IV - Com tal afirmação não se quer afastar as disposições relativas à proteção da família e do adolescente, entretanto, estabelecendo ponderação entre os valores apresentados, se impõe o resguardo aos direitos fundamentais da livre manifestação do pensamento; da necessidade de lei para impor ação ou omissão; da livre expressão, com vedação à censura, porquanto se observa que tais direitos e garantias, na hipótese em tela, não se constituem em antinomias aos valores defendidos pelo Parquet Estadual.
V - Presentes, então, os pressupostos autorizadores para a concessão da cautela, impõe-se o deferimento da liminar.
VI - Agravo regimental improvido.
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REsp 831015 / MT ; RECURSO ESPECIAL: 2006/0058313-5
Relator(a): Ministro FRANCISCO FALCÃO (1116)
Órgão Julgador: T1 - PRIMEIRA TURMA
Data do Julgamento: 16/05/2006
Data da Publicação/Fonte: DJ 01.06.2006 p. 170
Ementa: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONCESSÃO DE LIMINAR CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. DIREITO À SEGURANÇA. FISCALIZAÇÃO PRÉVIA DO CORPO DE BOMBEIROS E POLÍCIA MILITAR EM DETERMINADOS EVENTOS. PROTEÇÃO AOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. LEIS Nº 8.437/92 E 9.494/97. NORMAS DE INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. PRECEDENTES.
I - Com o ajuizamento da respectiva ação civil pública, visava o Ministério Público do Estado de Mato Grosso, garantir a segurança de adolescentes e crianças, condicionando a realização de determinados eventos à prévia vistoria pelo Corpo de Bombeiros e Polícia Militar.
II - A concessão da liminar, na hipótese, não afronta qualquer dispositivo das Leis nº 8.437/92 e 9.494/97, considerando-se o entendimento jurisprudencial já firmado neste eg. Superior Tribunal de Justiça de que tais normas devem ser interpretadas restritivamente (AgRg no Ag nº 701.863/PE, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 01/02/2006; AgRg no REsp nº 719.846/RS, Rel. Min. FÉLIX FISCHER, DJ de 01/07/2005).
III - Recurso improvido.
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REsp 557117 / SP ; RECURSO ESPECIAL: 2003/0109220-2
Relator(a): Ministro CASTRO MEIRA (1125)
Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA
Data do Julgamento: 04/05/2006
Data da Publicação/Fonte: DJ 17.05.2006 p. 114
Ementa: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CASSAÇÃO DE MANDATO DE MEMBRO DE CONSELHO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. COMPETÊNCIA. JUÍZO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. ART. 148, INCISO IV, DO ECA.
1. Ao intentar ação civil pública com o fito de cassar o mandato de Conselheiro Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, suspeito da prática de atos de improbidade no desempenho de seu múnus, o Parquet estadual objetivou tutelar o adequado funcionamento e a regular composição do órgão municipal que - previsto no art. 88, inciso II, do ECA - é responsável pelo estabelecimento da política de atendimento aos direitos das crianças e adolescentes.
2. Afetando os interesses difusos e coletivos das crianças e adolescentes do Município de Santos/SP, à presente ação civil pública é de se aplicar a regra encartada no art. 148, inciso IV, do ECA. Precedente: REsp 47.104/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 5.6.00.
3. Recurso especial provido.
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REsp 736524 / SP ; RECURSO ESPECIAL: 2005/0044941-4
Relator(a): Ministro LUIZ FUX (1122)
Órgão Julgador: T1 - PRIMEIRA TURMA
Data do Julgamento: 21/03/2006
Data da Publicação/Fonte: DJ 03.04.2006 p. 256
Ementa: ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. LEGITIMATIO AD CAUSAM DO PARQUET. ART. 127 DA CF/88. ARTS. 7.º, 200, e 201 DO DA LEI N.º 8.069/90. DIREITO À CRECHE EXTENSIVO AOS MENORES DE ZERO A SEIS ANOS. NORMA CONSTITUCIONAL REPRODUZIDA NO ART. 54 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NORMA DEFINIDORA DE DIREITOS NÃO PROGRAMÁTICA. EXIGIBILIDADE EM JUÍZO. INTERESSE TRANSINDIVIDUAL ATINENTE ÀS CRIANÇAS SITUADAS NESSA FAIXA ETÁRIA. CABIMENTO E PROCEDÊNCIA.
1. O Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos.
2. É que a Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37, da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microsistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas.
3. Deveras, é mister concluir que a nova ordem constitucional erigiu um autêntico 'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos.
4. Legitimatio ad causam do Ministério Público à luz da dicção final do disposto no art. 127 da CF, que o habilita a demandar em prol de interesses indisponíveis.
5. Sob esse enfoque, assento o meu posicionamento na confinação ideológica e analógica com o que se concluiu no RE n.º 248.889/SP para externar que a Constituição Federal dispõe no art. 227 que: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão." Conseqüentemente a Carta Federal outorgou ao Ministério Público a incumbência de promover a defesa dos interesses individuais indisponíveis, podendo, para tanto, exercer outras atribuições previstas em lei, desde que compatível com sua finalidade institucional (CF, arts. 127 e 129).
6. O direito à educação, insculpido na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, é direito indisponível, em função do bem comum, maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria.
7. Outrossim, a Lei n.º 8.069/90 no art. 7.º, 200 e 201, consubstanciam a autorização legal a que se refere o art. 6.º do CPC, configurando a legalidade da legitimação extraordinária cognominada por Chiovenda como "substituição processual".
8. Impõe-se, contudo, ressalvar que a jurisprudência predominante do E. STJ entende incabível a ação individual capitaneada pelo MP (Precedentes: REsp n.º 706.652/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 18/04/2005; REsp n.º 664.139/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 20/06/2005; e REsp n.º 240.033/CE, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 18/09/2000).
9. O direito constitucional à creche extensivo aos menores de zero a seis anos.é consagrado em norma constitucional reproduzida no art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90): "Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência preferencialmente na rede regular de ensino; IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de (zero) a 6 (seis) anos de idade."
10. Releva notar que uma Constituição Federal é fruto da vontade política nacional, erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai consagrar, por isso que cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de restarem vãs e frias enquanto letras mortas no papel. Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares, Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação sejam relegados a segundo plano. Prometendo o Estado o direito à creche, cumpre adimpli-lo, porquanto a vontade política e constitucional, para utilizarmos a expressão de Konrad Hesse, foi no sentido da erradicação da miséria intelectual que assola o país. O direito à creche é consagrado em regra com normatividade mais do que suficiente, porquanto se define pelo dever, indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado.
11. Consagrado por um lado o dever do Estado, revela-se, pelo outro ângulo, o direito subjetivo da criança. Consectariamente, em função do princípio da inafastabilidade da jurisdição consagrado constitucionalmente, a todo direito corresponde uma ação que o assegura, sendo certo que todas as crianças nas condições estipuladas pela lei encartam-se na esfera desse direito e podem exigi-lo em juízo. A homogeneidade e transindividualidade do direito em foco enseja a propositura da ação civil pública.
12. A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras, não há discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea.
13. Um país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da República, não pode relegar o direito à educação das crianças a um plano diverso daquele que o coloca, como uma das mais belas e justas garantias constitucionais.
14. Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dúvida que se poderia suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se programática ou definidora de direitos. Muito embora a matéria seja, somente nesse particular, constitucional, porém sem importância revela-se essa categorização, tendo em vista a explicitude do ECA, inequívoca se revela a normatividade suficiente à promessa constitucional, a ensejar a acionabilidade do direito consagrado no preceito educacional.
15. As meras diretrizes traçadas pelas políticas públicas não são ainda direitos senão promessas de lege ferenda, encartando-se na esfera insindicável pelo Poder Judiciário, qual a da oportunidade de sua implementação.
16. Diversa é a hipótese segundo a qual a Constituição Federal consagra um direito e a norma infraconstitucional o explicita, impondo-se ao judiciário torná-lo realidade, ainda que para isso, resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera orçamentária.
17. Ressoa evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica em dispêndio e atuar, sem que isso infrinja a harmonia dos poderes, porquanto no regime democrático e no estado de direito o Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada, assim, a ingerência entre os poderes, o judiciário, alegado o malferimento da lei, nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização prática da promessa constitucional.
18. O direito do menor à freqüência em creche, insta o Estado a desincumbir-se do mesmo através da sua rede própria. Deveras, colocar um menor na fila de espera e atender a outros, é o mesmo que tentar legalizar a mais violenta afronta ao princípio da isonomia, pilar não só da sociedade democrática anunciada pela Carta Magna, mercê de ferir de morte a cláusula de defesa da dignidade humana.
19. O Estado não tem o dever de inserir a criança numa escola particular, porquanto as relações privadas subsumem-se a burocracias sequer previstas na Constituição. O que o Estado soberano promete por si ou por seus delegatários é cumprir o dever de educação mediante o oferecimento de creche para crianças de zero a seis anos. Visando ao cumprimento de seus desígnios, o Estado tem domínio iminente sobre bens, podendo valer-se da propriedade privada, etc. O que não ressoa lícito é repassar o seu encargo para o particular, quer incluindo o menor numa 'fila de espera', quer sugerindo uma medida que tangencia a legalidade, porquanto a inserção numa creche particular somente poderia ser realizada sob o pálio da licitação ou delegação legalizada, acaso a entidade fosse uma longa manu do Estado ou anuísse, voluntariamente, fazer-lhe as vezes. Precedente jurisprudencial do STJ: RESP 575.280/SP, desta relatoria p/ acórdão, publicado no DJ de 25.10.2004.
20. O Supremo Tribunal Federal, no exame de hipótese análoga, nos autos do RE 436.996-6/SP, Relator Ministro Celso de Mello, publicado no DJ de 07.11.2005, decidiu verbis: "CRIANÇA DE ATÉ SEIS ANOS DE IDADE. ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA. EDUCAÇÃO INFANTIL. DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV). COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO. DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO(CF, ART. 211, § 2º). RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.
- A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV).
- Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das "crianças de zero a seis anos de idade" (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal.
- A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental.
- Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político--administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social.
- Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à "reserva do possível".
Doutrina.
21. Recurso especial provido.