A natureza da ação penal nos crimes contra a dignidade sexual no Brasil experimentou sua mais recente e significativa alteração com a Lei nº 13.718, de 24 de setembro de 2018. Com a entrada em vigor desta lei, todos os crimes contra a dignidade sexual passaram a ser de ação penal pública incondicionada. Isso significa que a persecução penal, independentemente da idade ou vulnerabilidade da vítima, e da forma como a violência foi praticada (seja com violência real ou grave ameaça), não depende mais de representação do ofendido. A apuração e o processamento desses crimes são agora dever do Estado, por meio do Ministério Público, a partir do momento em que toma conhecimento do fato, sem a necessidade de qualquer manifestação da vítima ou de seus representantes.
Anteriormente, a Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, já havia promovido uma importante reformulação, renomeando o Título VI do Código Penal para "Dos Crimes contra a Dignidade Sexual". Com essa lei, a regra geral passou a ser a ação penal pública condicionada à representação do ofendido para os crimes contra a dignidade sexual. No entanto, a mesma lei estabelecia que a ação seria pública incondicionada quando a vítima fosse menor de 18 anos ou pessoa vulnerável.
Antes da Lei nº 12.015/09, a regra era que os delitos então classificados como "crimes contra os costumes" eram de ação penal privada. A iniciativa para o processo dependia da queixa-crime da vítima ou de seu representante legal. Existiam exceções: a ação era pública incondicionada se o crime fosse cometido com abuso do poder familiar, ou na qualidade de padrasto, tutor ou curador. Além disso, a Súmula nº 608 do Supremo Tribunal Federal (STF), editada em razão de política criminal para proteger as vítimas de estupro , determinava a ação penal pública incondicionada para estupro praticado mediante violência real. A ação também poderia ser pública condicionada à representação caso a vítima ou seus pais não pudessem arcar com as despesas do processo sem privar-se de recursos essenciais.
A Lei nº 12.015/09 gerou discussões sobre a permanência da Súmula nº 608 do STF. Parte da doutrina defendia sua eliminação, argumentando que a nova lei já trazia a regra da ação penal pública. Outra corrente, contudo, defendia sua aplicabilidade, mantendo a ação incondicionada para estupro com violência real.
Quanto à aplicação dessas leis no tempo: a norma que exige a representação é entendida como de natureza mista (híbrida), com reflexos processuais e penais. Portanto, se um crime ocorrido antes da Lei nº 12.015/09 era de ação penal privada, a lei nova não retroage, pois seria prejudicial ao réu. Se era de ação pública incondicionada e passou a ser condicionada à representação, a lei retroage por ser mais benéfica, salvo se já houver trânsito em julgado. Para crimes praticados antes da Lei nº 13.718/2018, mas após a Lei nº 12.015/2009, e que eram de ação penal pública condicionada à representação, a Lei nº 13.718/2018, por ser mais gravosa ao réu (tornando a ação incondicionada), não retroage, respeitando o princípio da irretroatividade da lei penal mais severa.