Imagine um presídio sem carcereiros ou armas, com níveis baixos de reincidência, onde não se distingue à primeira vista quem são os presos, os funcionários ou os voluntários, e com um custo muito menor do que as penitenciárias atualmente existentes.
Esse tipo de prisão baseado na dignidade do preso é uma realidade no modelo desenvolvido pelas Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac), entidades civis sem fins lucrativos que materializam a gestão de dezenas de unidades prisionais espalhadas em oito estados do Brasil, em um método focado na corresponsabilidade dos detentos pela sua recuperação, com assistência espiritual, médica, psicológica e jurídica, prestada em serviço voluntário pelas comunidades onde se situam.
Com o objetivo de conhecer mais da eficácia da iniciativa e no intuito de implantar o formato no Distrito Federal, nos dias 10 e 11 de agosto uma comitiva do Distrito Federal realizou visitas a duas Apac’s em Minas Gerais, unidade da federação que se destaca na implementação do método, e contou com o apoio do MPMG.
No dia 10 de agosto, a visita aconteceu na Apac Feminina de Belo Horizonte e foi acompanhada da diretora-geral da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC), Tatiana Faria, entidade que congrega as Apacss instaladas no Brasil e garante que a gestão das unidades estaduais siga à metodologia unificada e experimentada com sucesso.
No dia 11, a comitiva visitou a unidade da Apac Masculina de Santa Luzia, região metropolitana de Belo Horizonte e foi acompanhado pelo representante da FBAC Ari de Jesus Soares Pereira. O dia coincidiu com a celebração dos 17 anos de fundação dessa unidade, uma história de sucesso apresentada à comitiva pelo promotor de Justiça de Minas Gerais Henrique Macedo. O membro do Ministério Público mineiro tem contribuído com o MPDFT, com sua longa expertise no assunto.
Participaram do evento membros do Núcleo de Controle e Fiscalização do Sistema Prisional do MPDFT, o procurador Distrital dos Direitos do Cidadão, José Eduardo Sabo Paes, além de membros do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), os juízes da Vara de Execuções Penais (VEP), dois defensores públicos Distrito Federal (DPDF) e policiais penais da Secretaria de Administração Penitenciária (Seape).
Como regra, só ingressam nas unidades Apac’s os presos em cumprimento definitivo de pena, que passam por período obrigatório no sistema prisional comum e voluntariamente solicitam o ingresso em uma das associações em que estão segregados.
Embora submetidos a uma rígida rotina de disciplina de trabalho e de estudos, após uma seleção criteriosa de segurança pelos órgãos de execução penal, os agora chamados reecuperandos são confrontados com um cumprimento de pena fundado na dignidade como ser humano, na crença real em sua recuperação e no amor fraterno.
"A metodologia da Apac exige e permite que a pessoa privada de liberdade tenha ocupação em tempo integral. Antes do nascer do sol, o reeducando deve manter a sua cela organizada, participar de atividades comunitárias, trabalha em diversas funções até o final do período vespertino, quando deve frequentar as salas de ensino do local, somente retornando a cela às 22h. Todas as obrigações são fiscalizadas pelos próprios reecuperandos e o eventual descumprimento acarreta a suspensão ou a perda de regalias, levando – até – ao eventual desligamento da unidade e o retorno ao presídio comum. Em vários dias da semana, participam de ações de assistência religiosa, de congregação social e de orientação moral. Aos finais de semana, é estimulada a visita e a convivência familiar. A unidade é mantida por termo de custeio do Estado, mas também com a indispensável colaboração de entidades beneficentes”, explica o promotor de Justiça e coordenador do Nupri, Cesar Augusto Nardelli Costa.
O reecuperando da Apac não utiliza uniformes, deve sempre portar seu crachá de identificação e transita com relativa liberdade dentro dos muros da unidade, desde que siga com uma rotina restrita de conduta e se torne igualmente responsável pelo comportamento de seus semelhantes.
De acordo com Cesar Nardelli: “Ao planejar esse evento, a intenção do Ministério Público é reunir os órgãos de execução penal do Distrito Federal em torno de um projeto piloto da Apac, que vai trazer benefícios sociais significativos. A metodologia é testada e aprovada há muitos anos, especialmente no Estado de Minas Geras. É uma abordagem que poderá se integrar ao sistema penitenciário tradicional, o qual continuará sendo necessário e insubstituível, mas a Apac é uma alternativa barata, eficiente e de grandes resultados comunitários. A forma de abordagem humanizada traz efeitos positivos para todo o sistema prisional e é um embrião de esperança, que funciona para aqueles que verdadeiramente reconhecem o seu erro, desejam pagar toda a sua dívida e abraçam uma oportunidade especial de fazê-lo. Há reflexos comprovados na redução de criminalidade, nos baixos índices de reincidência, na redução de custos, no comportamento dos apenados e, inclusive, na pacificação dos presídios comuns da região”.
No dia 11, os membros da comitiva acompanharam toda a rotina de funcionamento da Apac de Santa Luzia e participaram da celebração dos dezessete anos da unidade ,que conta atualmente com 192 reecuperandos, nos diferentes regimes de cumprimento de pena. Foi possível ver o engajamento de voluntários de instituições privadas, a participação da comunidade e o orgulho dos apenados em fazer parte dessa história.
Uma das questões que chamou a atenção dos membros do Ministério Público foi a obediência voluntária aos fundamentos de segurança, ao cumprimento da pena e a rigidez disciplinar do sistema.
De acordo com o procurador de Justiça Militar e conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) Jaime de Cassio Miranda, a viagem foi muito proveitosa. “Renovamos as nossas esperanças na recuperação do ser humano e na possibilidade de implantar, em um breve futuro, o primeiro Centro de Recuperação Social da Apac no Distrito Federal”, pontuou.
Por sua vez, o procurador distrital dos Direitos do Cidadão do MPDFT, José Eduardo Sabo Paes. relatou suas impressões positivas com o evento. “Ao visitar a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac), de Santa Luzia de Belo Horizonte (MG), tive a oportunidade única de presenciar efetivamente um sistema de recuperação de sentenciados. A importância da disciplina, do respeito, do trabalho, da religião e do envolvimento da família, foi e é fundamental para que estes reecuperandos possam ser valorizados e integrem ao convívio da sociedade. Dúvida não tenho que se faz necessário cada vez mais que este modelo esteja presente em todas as unidades da federação, principalmente no Distrito Federal.”.
Parte da comitiva, a juíza titular da Vara de Execuções Penais, Leila Cury, também descreveu a experiência: “Fiquei positivamente impactada com a visita , porque, de fato, se trata de uma política alternativa que prima pelo respeito à dignidade da pessoa humana e, é justamente por isso, que acredito que contribuirá para o processo de ressocialização”, disse.
Ainda, presentes no evento os defensores públicos do DF Hialamy Bandeira e Rodrigo Doin agradeceram ao ao MPMG e ao MPDFT pela visita institucional, destacando que “foi fundamental conhecer essa forma alternativa de cumprimento de pena, que oportuniza a qualificação profissional e a educação, sendo mais humana, eficiente e econômica. Registramos, ainda, que nas visitas tivemos contato com os envolvidos na condução das Apacs e pudemos ter uma noção do funcionamento das unidades. Voltamos com a certeza que o cumprimento de pena de forma humanizada, de fato, recupera. Esperamos que em breve, possamos comemorar a inauguração da primeira Apac-DF”.
Por fim, os representantes da Seape agradeceram pelo convite para participar do evento, afirmando ter somado muito na caminhada que os atuais gestores estão para transformam o sistema penitenciário mais humano.
Apac no DF
Da parte do MPDFT, a expectativa após as visitas é de replicar a iniciativa no DF, a começar por um projeto piloto e demonstrar a possibilidade de expansão gradativa para outras unidades.
Uma das reeducandas que conversaram privadamente com os membros da comitiva resumiu de forma emocionada o que se pretende essa proposta: “a gente chega revoltado com tudo, já pensando em fugir, mas recebe tanto carinho, tanto amor, que enfraquece a gente: nosso lado ruim vai embora e passamos a enxergar a vida de outro jeito".
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