José Eduardo Sabo Paes
Promotor de Justiça da 2ª Promotoria de Justiça de Fundações e Entidades de Interesse Social, mestre em Direito e doutorando em Direito Constitucional pela Universidade Complutense de Madri
É por todos sabido que os padrões de relações entre o Estado e a sociedade, no Brasil, têm-se caracterizado por uma burocracia agigantada poderosa e, ao mesmo tempo, desconfiada da sociedade civil a quem deveria servir. O poder público já na Constituição de 1934 começou a admitir a atuação do Estado na solução de problemas de cunho social, estabelecendo, no seu artigo 154, a isenção de qualquer tributo aos "estabelecimentos particulares de educação gratuita primária ou profissional, oficialmente considerados idôneos". Possivelmente é esse adjetivo idôneo que exigiu a regulamentação da "utilidade pública" em legislação específica um ano após, insinuando-se, então, uma primeira inter-relação entre utilidade pública, filantropia e ausência de fins lucrativos. Assim, desde 1935, com a Lei nº 91, de 28 de agosto, que o Poder Público, por intermédio do Ministério da Justiça, declara por ato de seu titular as sociedades civis, associações e fundações que servem desinteressadamente à sociedade, satisfazendo uma necessidade coletiva de ordem pública. No entanto, esse título, atualmente conferido pelos chefes dos Executivos federal, estadual, do Distrito Federal e dos municípios, que antes tinha apenas caráter honorífico e cívico, é hoje condição básica para que as entidades gozem de isenções fiscais ou recebam subvenção, auxílio ou doações públicas. A declaração de utilidade pública, inclusive, é indispensável para que a entidade receba o Certificado de fins Filantrópicos pelo CNAS, órgão do Ministério da Previdência e Assistência social e, a partir dessa, a isenção da respectiva cota patronal previdenciária, que é de 20% sobre a remuneração dos empregados. A Constituição não conhece a expressão "entidades filantrópicas". Ela fala em "entidades beneficentes de assistência social". A estas são asseguradas isenções de contribuições para a seguridade social, desde que atendam às exigências estabelecidas em lei (art. 197, § 7º). Também são beneficiárias de imunidade tributária, ou seja, não pagam Imposto de Renda, Imposto sobre Serviços, IPTU, ITBI, IOF, etc. Sabidamente, as entidades sociais, na área da assistência social, da saúde, da educação, cumprem importante papel atuando inclusive onde o Estado não atua por inércia ou incapacidade. No entanto, a questão em voga nos últimos meses e aflorada nos últimos dias por ocasião da mudança dos critérios de isenção das entidades filantrópicas (Lei nº 9.732, de 14.12.98) e pela ação, ainda que tardia do Ministério da Justiça, em rever a concessão dos mais de 7.100 títulos de utilidade pública federal já concedidos, não reside apenas nas duas ações estanques. É claro que são de importância fundamental, todavia requerem continuidade e seriedade na separação das entidades filantrópicas - que efetivamente, em nome e em lugar do Estado, atendem gratuitamente os carentes - daquela apelidadas "pilantrópicas", que utilizam a renúncia fiscal para reduzir custos e aumentar lucros no atendimento nas áreas da saúde e da educação. Comportamentos que segundo dados do governo custam R$1 bilhão ao ano em renúncia fiscal, ficando desse total 46% com as escolas e 31% com hospitais e santas casas. Todavia, tão importante como combater a evasão e a sonegação fiscal, obstaculizando essas entidades "biombos", é realizar justiça social, mediante efetiva melhoria dos serviços em educação e saúde. Para tanto deveriam ser aprimorados os serviços prestados nos estabelecimentos públicos, cumprindo o Estado a sua obrigação. De outro lado, deveria haver serviços de fiscalização e vigilância para efetivamente verificar in loco as reais condições de funcionamento, existência e idoneidade de todas as entidades ditas sociais. Nessa atividade, tendo a continuidade como tônica, seriam permanentemente avaliadas a concessão dos títulos de utilidade pública e os certificados de entidade filantrópica.