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O Marco Legal do Terceiro Setor no Brasil e as
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Social 

José Eduardo Sabo Paes
Mestre em direito pela Universidade Complutense de Madri, é Promotor de Justiça de Fundações e Entidades de Interesse Social, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, e autor do livro "Fundações e Entidades de Interesse Social: Aspectos Jurídicos, Adminsitrativos, Contábeis e Tributário.

É ínsito ao homem reunir-se em sociedade. O direito brasileiro admite, já de mito, a existência de entes coletivos, pessoas jurídicas de direito privado, configurados como sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, associação de utilidade pública e fundações. Todas elas têm um ponto em comum: são destinadas a uma finalidade social, ou seja, apresentam em seus atos constitutivos - escritura e/ou estatuto - objetivos ou finalidades voltadas para o interesse social. As associações diferem das fundações de direito privado. Aquelas apresentam criação livre (de índole constitucional), tendo como objetivo uma destinação social, têm associados e uma grande liberdade de ação. As fundações, de igual forma, apresentam destinação social, mas não se constituem de sócios, não têm donos e são criadas por pessoas físicas ou jurídicas que pretendem altruisticamente destinar bens e serviços para servir à comunidade. Algumas das fundações de direito privado e sociedades, ou associações civis, podem ser declaradas pelo poder público (federal, estadual, municipal e do distrito federal) como de utilidade pública ou como instituição filantrópica. De posse de tais títulos, podem fazer jus a uma série de benefícios fiscais, como, por exemplo, o não pagamento de Imposto de Renda, de impostos sobre o patrimônio, transmissão ou doação de bens imóveis, do Imposto sobre Serviços, da CPMF, do Imposto sobre Circulação de Mercadorias. Enfim, uma série de benefícios, entre os quais a isenção da contribuição a cargo das empresas destinadas à seguridade social, que é calculada sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, a qualquer título, aos segurados, empregados, empresários, trabalhadores avulsos e autônomos que lhes prestem serviços. Está claro que a quantia que o Estado deixa de arrecadar com essas instituições é muito significativa. A renúncia fiscal, segundo dados do governo, custa aos cofres públicos mais de R$2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais) por ano. O que tem sido motivo e preocupação dos poderes legislativo e Executivo. Exemplo é a mudança dos critérios de isenção das entidades filantrópicas vigente ao partir de 1º de abril, por força da Lei 9.732;98 com a criação do "princípio da proporcionalidade" que é o de condicionar o montante da isenção ao número ou valor de atendimentos gratuitos realizados pela entidade. Evidentemente que são medidas que colaboram na solução dos problemas prementes e angustiantes porque passam muitos brasileiros, que a despeito de direito constitucional, não tem garantidos os direitos sociais compatíveis com a dignidade de cidadãos que são. Agora pergunta-se: estão sendo reconhecidas como de utilidade pública ou como instituição filantrópica, entidades que efetivamente atuam na assistência social dos necessitados? Não. A prova é que o Ministério da Justiça está revendo, um por um, os mais de 7.100 títulos de Utilidade Pública que concedeu e o Conselho Nacional de Assistência social, regulamentou, neste ano de 1999, os critérios para a concessão do registro e do certificado de entidade filantrópica a nível nacional. A questão começa a ser tratada com mais profundidade. O Ministério Público brasileiro, no âmbito dos Estados e do distrito Federal, tem procurado nos últimos anos, mormente após a Constituição de 1988, no cumprimento de sua função institucional de proteger o patrimônio público e social e os interesses sociais e individuais indisponíveis, fiscalizar o funcionamento das fundações e entidades de interesse social. O Estado incumbiu, já de muito, ao Ministério Público o dever de velar, de acompanhar o funcionamento das fundações de direito privado. E de acompanhar e até de dissolver as entidades de interesse social. Tem sido preocupação de todos os Procuradores-Gerais de Justiça efetivar e aprimorar a atuação do Ministério Público por suas Promotorias especializadas, as quais têm atribuição de examinar e aprovar atos de constituição das fundações e acompanhá-las - bem como as sociedades civis e associações - nas suas prestações de contas e inclusive, na visita in loco a essas entidades, tudo para poder atestar seu regular funcionamento de forma segura e confiável. Com certeza a ação conjunta do Poder Executivo, do próprio Poder Legislativo com o Ministério Público, dará, primeiro, uma maior segurança àquelas autoridades que concedem os títulos de utilidade pública e de instituição filantrópica; segundo, uma certeza de que os benefícios fiscais concedidos pelo Estado estão direcionados às verdadeiras instituições filantrópicas; e terceiro, uma manutenção ou mesmo uma aumento nas doações ou contribuições de populares às entidades filantrópicas sérias, tudo para que possam as entidades efetivamente atender à sociedade civil. Exemplo também é a recente lei que cria as Organizações da sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP, já denominada de "Marco Legal do Terceiro Setor no Brasil", que cria a possibilidade concreta de que as entidades não governamentais sejam qualificadas de -OSCIP e possam, como pessoas jurídicas de direito privado que são, autônomas e organizadas, atuar como parceiras do Estado ajustando com ele meios mais eficazes, rápidos e econômicos e dar solução a problemas prementes e angustiantes por que passam aqueles brasileiros que, a despeito da previsão constitucional, não têm garantidos direitos sociais plenamente compatíveis com a dignidade da condição de cidadão. Oriunda de um projeto de lei de autoria do Poder Executivo, precedida de prévia e criteriosa oitiva de vários segmentes representativos da sociedade civil por trabalho da Comunidade Solidária, mereceu a proposta, no seio do Parlamento, pronta acolhida das lideranças do governo e da oposição. Todos, tanto na Câmara dos Deputados como no Senado Federal, foram unânimes na compreensão de que o Terceiro Setor é mais do que uma definição de caráter institucional que abarca o conjunto das organizações não governamentais - ONG's-, é uma realidade social representada por todas as instituições: associações, sociedades civis ou fundações de direito privado que apresentam como escopo maior o bem comum através de ações concretas e objetivas. Na verdade, foi instituído um primeiro marco legal englobando todas as entidades que formam o Terceiro Setor e que apresentem em seus estatutos objetivos ou finalidades sociais voltadas para a execução de atividades de interesse público nos campos da assistência social, cultura, educação, saúde, voluntariado, desenvolvimento econômico e social, da ética, da paz, da cidadania e dos direitos humanos, da democracia e de outros valores fundamentais, além da defesa, preservação e conservação do meio ambiente. Essas entidades poderão relacionar-se com o Poder Público federal, estadual, do Distrito Federal ou dos municípios, visando à execução de atividades de interesse publico por meio de um vínculo de cooperação entre as partes, que a lei denominou de termo de parceria. A Lei 9.790/99, começa por estabelecer que apenas poderão ser qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público as pessoas jurídicas de direito privado - portanto, as sociedades civis, associações civis e fundações-, sem fins lucrativos, que tiverem seus estatutos, finalidades e objetivos em conformidade com os requisitos agora determinados legalmente. Para efeitos da Lei 9.790/99, preferiu o legislador, já no § 1º do artigo 1º, adotar critério extensivo para definir que considera como pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, "entidade que não distribua entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos, mediante o exercício de suas atividades , e que os aplica integralmente na consecução do respectivo objeto social". A lei, em seu art. 2º, estabeleceu um critério negativo ou uma classificação negativa de instituições que não poderão ser qualificadas como de interesse público. Nessa relação que é de numerus clausus, ou seja, fechada, porque não comporta a inclusão de mais nenhuma entidade, estão elencadas as instituições privadas de caráter comercial ou não assistencial e as entidades públicas ou entidades privadas criadas pelo Poder Público, tais como: as sociedades comerciais; os sindicatos, as associações de classe ou de representação de categoria profissional; as instituições religiosas ou voltadas para a disseminação de credos, cultos, práticas e visões devocionais e confessionais; as organizações partidárias e assemelhadas, inclusive suas fundações; as entidades de benefício mútuo destinadas a proporcionar bens e serviços a um circulo restrito de associados ou sócios; as entidades e empresas que comercializam planos de saúde e assemelhados; as instituições hospitalares privadas não gratuitas e suas mantenedoras; as escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas mantenedoras; as Organizações Sociais; as cooperativas; as fundações públicas; as fundações, sociedades civis ou associações de direito privado criadas por órgão público ou por fundações públicas; as organizações creditícias que tenham quaisquer tipo de vinculação com o sistema financeiro nacional a que se refere o art. 192 da Constituição Federal. Tudo dentro da filosofia que balizou o projeto e as discussões parlamentares, no sentido de estabelecer, como premissa, que entidades vinculadas ao Poder Público ou a organismos do Estado não poderão ser qualificadas como OSCIP. O que a lei agora faz, já não sem tempo, é diferenciar entidades da sociedade civil que prestam de forma universal e sem fins lucrativos os seus serviços dos organismos do Estado e do mercado. Exige a lei das OSCIP's, sabiamente, requisitos jurídicos por que tenham as referidas organizações gestão e administração transparente e eficiente (inc. I a V do artigo 4º) e requisitos contábeis para que suas prestações de contas sejam estruturadas em conformidade com os princípios fundamentais de contabilidade e demais Normas Brasileiras de Contabilidade, tornando-as acessíveis a qualquer pessoa que tenha o mínimo de conhecimento nessa área. De forma inovadora, o referido diploma legal, no inciso VI do art. 4º, abriu a possibilidade expressa de remunerar-se os dirigentes das entidades sem fins lucrativos (todavia sem o estabelecimento de um valor máximo), tanto aqueles que atuem efetivamente na gestão executiva (diretores-gerais, diretores executivos, administrativos, financeiros e outros) como também aqueles que prestem serviços específicos à entidade (profissionais liberais, consultores, empregados administrativos, prestadores de serviços, etc...). O termo de parceria é definido no artigo 9º da lei como instrumento destinado à formação de vínculo de cooperação entre o Poder Público e as entidades qualificadas como OSCIP para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas no já referido art. 3º da lei. É uma das grandes inovações da lei. Permitirá a formação de parcerias entre o Poder Público, em suas várias esferas, e as entidades integrantes do Terceiro Setor, tendo como tônica os princípios da transparência, da competição, da cooperação e da parceria propriamente dita. Na execução do termo de parceria haverá um controle tripartite, ou seja: do Poder Público da área de atuação correspondente à atividade fomentada, dos Conselhos de Políticas Públicas em cada nível de governo e da própria entidade. Sendo certo que qualquer irregularidade ou ilegalidade na utilização dos recursos ou bens de origem pública serão objeto de ação fiscalizatória dos Tribunais de Contas respectivos e do Ministério Público (arts. 12 e 13). A lei em comento, que estabelece um novo marco legal no Terceiro Setor, também institui um novo marco legal nos limites da renúncia fiscal oferecida pelo Estado, pois apenas permite a acumulação dos títulos de Utilidade Pública e Certificado de Entidade Filantrópica pela entidade qualificada como OSCIP, pelo prazo máximo de 2 (dois) anos, contados a partir de 24 de março de 1999 - data da publicação e vigência da Lei 9.790/99. Findo estes dois anos, a entidade que desejar manter a qualificação de OSCIP deverá fazer expressa opção nesse sentido, renunciando automaticamente às qualificações anteriores (art. 18 caput e §1º). Portanto, de agora em diante, há, no direito brasileiro - e haverá mais claramente daqui a dois anos -, uma clara diferenciação nas finalidades das OSCIP (pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, integrantes do denominado Terceiro Setor, que têm fins comunitários ou fomentam e executam atividades de interesse público) e daquelas que, criadas ou não pelo poder público, apresentam fins mútuos ou destinados a um círculo restrito de beneficiários, sócios ou associados: as detentoras dos títulos de Utilidade Pública e do Certificado de Entidade Filantrópica.

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