Trabalho foi desenvolvido pela equipe psicossocial da instituição, que visitou todos os Caps para conhecer problemas e propor soluções
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) lançou, nesta quarta-feira, 6 de dezembro, o livro digital “Situação da saúde mental do DF”. A publicação, resultado de pesquisa realizada pela Coordenadoria Executiva Psicossocial (Ceps) em 2021 e 2022, aponta dificuldades a serem superadas e possíveis soluções para os problemas nos serviços públicos de saúde mental.
O foco principal do trabalho são os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), onde a população, por lei, deveria ter acesso a serviços especializados e multidisciplinares na área de saúde mental. A análise foi motivada pela ação civil pública ajuizada pela Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde (Prosus) em 2010 para a implantação de 25 residências terapêuticas e 19 Caps. Com a decisão judicial favorável, começaram as negociações para o cumprimento da sentença, que ainda estão em andamento.
O promotor de justiça Clayton Germano afirma que a 2ª Prosus tem se empenhado para tornar efetiva a execução dessa sentença tão importante para a população do Distrito Federal. Há previsão de inauguração de cinco novos Caps até 2024 e a implantação de 100 vagas no Serviço de Residência Terapêutica, que está em fase de licitação. Apesar disso, ainda há muito por fazer. “As instâncias políticas precisam dar prioridade a essa sentença, que é histórica e deve ser levada adiante. Tivemos nos últimos anos um aumento da demanda por serviços de saúde mental, por isso seguiremos cobrando a acompanhando de perto”, frisou.
Realidade dos Caps
Para realizar a pesquisa, a equipe da Ceps visitou todos os Caps e observou aspectos quantitativos e qualitativos na prestação do serviço. O trabalho demonstrou que há grande demanda reprimida por atendimento de saúde mental no Distrito Federal. Isso ocorre, entre outras razões, porque apenas 13 dos 18 Caps são habilitados pelo Ministério da Saúde. Os outros cinco não recebem suporte financeiro do governo federal, o que impacta diretamente na qualidade da assistência oferecida.
Uma razão adicional para a sobrecarga é a reduzida capacidade operacional dos serviços existentes em relação ao tamanho da população atendida. O Caps infantojuvenil de Brasília, por exemplo, tem área de cobertura que abrange cerca de 800 mil habitantes, mas seu limite de atendimento definido pela Secretaria de Saúde (SES) é de até 300 mil pessoas. O mesmo ocorre no Caps II de Taguatinga, que recebe adultos com transtornos mentais graves e persistentes. Conforme as normativas da SES, o serviço deveria atender uma população de 200 mil pessoas, mas sua área de abrangência inclui mais de 850 mil.
Outro aspecto evidenciado pela pesquisa são os problemas de infraestrutura e manutenção. Em quase todos os Caps, as salas disponíveis não são adequadas para as atividades desenvolvidas por não oferecerem conforto acústico e térmico aos usuários. Em algumas situações, também não permitem o sigilo das informações discutidas com os pacientes. Foram observados prédios com infiltrações, sem acessibilidade e até infestados por insetos. Nas entrevistas com trabalhadores e gestores dos Caps, o aspecto mais mencionado é a falta de recursos humanos. O número reduzido de profissionais e a alta rotatividade fragilizam o atendimento integrado, que pressupõe a existência de equipes multidisciplinares completas.
O acesso da população aos equipamentos públicos de saúde mental também deixa a desejar. Não há automóveis e motoristas para realizar atendimentos domiciliares e algumas unidades são muito distantes das regiões atendidas. Os moradores da Estrutural, por exemplo, são direcionados para o Caps II do Riacho Fundo, que fica a 20 km de distância. Para os usuários do transporte coletivo, são cerca de duas horas em cada trecho do deslocamento.
Os Caps são impactados ainda pela implementação inadequada da Rede de Atenção Psicossocial, que deveria reunir serviços de diferentes níveis de complexidade para oferecer cuidado integral na área de saúde mental. Os pesquisadores observaram que há dificuldades de diálogo entre áreas da SES e que os fluxos de atendimento não estão bem estabelecidos. Não há residências terapêuticas para acolher os pacientes que necessitam desse serviço e as iniciativas de atendimento domiciliar são falhas.
A pesquisa foi apresentada em primeira mão para a secretária de Saúde, Lucilene Florêncio. Desde então, reuniões têm sido realizadas entre representantes do MPDFT e da Diretoria de Saúde Mental da SES para discutir formas de resolver os problemas encontrados. O estudo também vem sendo divulgado em encontros com as redes sociais locais para que a população possa conhecer os resultados e cobrar soluções.
Para a analista de serviço social Izis Morais Lopes do Reis, coordenadora da pesquisa, um dos resultados positivos da iniciativa é a aproximação com a sociedade civil, que tem acesso a dados e informações científicas para embasar a demanda por melhorias nos serviços públicos de saúde. “Apesar de sabermos que os frutos desse trabalho serão colhidos em médio e longo prazos, tem sido interessante participar do diálogo com a comunidade para que as soluções para problemas graves possam ser encontradas coletivamente”, afirmou.
O promotor de justiça Bernardo Barbosa Matos lembra que o Distrito Federal tem uma das políticas de saúde mental menos estruturadas do Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde. “Apesar dos avanços recentes, como o edital para a instalação de residências terapêuticas e o início dos procedimentos licitatórios para a construção de novos Caps, há muito a ser feito. Esse relatório é uma das contribuições que o MPDFT tem a oferecer nessa construção”, avaliou.
Clique aqui para ler a íntegra da pesquisa.